RELIGIÃO & CINEMA



Coluna
RELIGIÃO & CINEMA

Comentários sobre como o Cinema mostra a Religião


Octavio da Cunha Botelho



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(Obs: conheça as postagens mais recentes da seção RELIGIÃO & CINEMA em:
http://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/category/religiao-cinema/)


O MONGE, A SUCUMBÊNCIA À TENTAÇÃO NA VIDA MONÁSTICA


 
A atuação de Vicent Cassel proporciona um brilho especial
ao drama O Monge (Le Moine), do diretor francês Dominik Moll
           Filmes sobre a vida monástica são hoje recordações de um passado quase esquecido, os quais parecem, para as gerações atuais, além do entretenimento, como aulas de história. Comparado ao período medieval, quando era uma ordem florescente, vigorosa e de referência, o monasticismo católico atual é uma instituição religiosamente falida. Se a população de hoje for perguntada sobre onde existe um mosteiro em funcionamento, ninguém saberá responder, por se tratar de um seguimento quase extinto no Catolicismo, portanto muito diferente dos tempos vigorosos de santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz (século XVI), quando a Espanha vivia encharcada de Fé Católica.
            Pois é neste ambiente católico da Espanha, empanturrada de religiosidade, que o filme O Monge (Le Moine, 2011), do diretor francês Dominik Moll, acontece. Exibido recentemente no canal Telecine Cult, esta é a terceira transposição para a tela da novela gótica do escritor britânico Matthew Gregory Lewis (1775-1818), The Monk (O Monge), publicada em 1796. As versões anteriores foram a do cineasta grego Adonis Kyrov, El Monge, de 1972, com roteiro de Luis Buñuel, e a do espanhol Francisco Lara Polop, El Fraile (o Frade), de 1990. Segundo os críticos, esta versão de Dominik Moll é mais infiel ao livro de M. G. Lewis, este autor tentou retratar em sua novela a decadência da disciplina monástica do século XVIII.
Abandonado quando criança na escadaria de um mosteiro
espanhol, Ambrósio (Vicent Cassel) se transforma em um
influente pregador
            Protagonizado pelo talentoso e versátil ator francês Vicent Cassel, no papel do monge Ambrósio, o qual foi abandonado ainda criança na escadaria de um mosteiro espanhol, para então ser recolhido e criado como monge, ele cresceu desconhecendo quem eram seus pais, fato que só é revelado no final do filme. Com o tempo, se transformou em um admirado e influente pregador. Própria da vida monástica medieval, o filme mostra o rigor da punição do rompimento dos votos ascéticos, quando a freira Agnes, ao se confessar com o padre Ambrósio (Vicent Cassel), deixa cair ao chão um bilhete com uma declaração de amor, então Ambrósio descobre que ela está grávida, daí lhe entrega à madre superior, interpretada por Geraldine Chaplin (filha de Charles Chaplin), a qual lhe condena à penitência de fome e sede até a morte, o seu sofrimento é chocante. Esta cena nos leva a refletir sobre a insensatez do rigor das penas imputadas aos infratores nos mosteiros medievais.
            O ato de delação de Ambrósio deixa a impressão que ele é um monge intransigente e inabalável em seu ascetismo, porém, nada disso, a sua conduta começa a se alterar quando chega ao mosteiro um monge mascarado, Valério, dizendo ser obrigado a usar uma máscara em virtude dos ferimentos no rosto por queimaduras, até que seja revelado que aquele mascarado é, na verdade, uma mulher (Matilda), a qual começa a tentá-lo. Dotada de poderes sobrenaturais, ela lança seu encanto sobre ele, o enfeitiça, então Ambrósio inicia um processo de sucumbência às tentações da carne auxiliado pela magia de Matilda (Déborah François), o monge mascarado Valério.
            Apesar dos exageros, por se tratar de uma novela, alguns absurdos no filme não se distanciam tanto dos fatos históricos que lemos nas biografias de santos e de monges que viveram em mosteiros católicos. Os rigores do ascetismo, dos rompimentos dos votos e das punições, entendidas hoje como um conjunto de insensatez, não eram percebidas assim no passado, quando a Igreja ditava as noções do que era certo e do que era errado. Ao contrário, naqueles tempos, o ascetismo era percebido pela população como virtude, bem como as famílias, até as nobres, se orgulhavam de ter um filho como monge em um mosteiro ou uma filha como freira em um convento.
Ambrósio (Vicent Cassel) em um encontro secreto com a jovem
Antônia, sucumbência à tentação carnal.
            Para o espectador interessado no tema da religião, e não apenas no entretenimento, este drama, com pinceladas de suspense, apesar de extraído de uma novela, nos convida a refletir sobre até que ponto o ascetismo é uma prática compatível com a natureza humana, para que lhe seja atribuído tanto rigor, bem como, sobre o balanço dos benefícios e dos malefícios resultantes, mesmo em uma época quando a técnica e a tecnologia não representavam instrumentos efetivos para a obtenção de resultados como atualmente.
            Enfim, o filme é recomendável para aqueles que são capazes de apreciar os trabalhos que não partem de gostos padronizados de cinema, portanto não é um enlatado, menos ainda feito para agradar o público cristão. Espectadores que formam a sua avaliação a partir de padrões hollywoodianos, certamente não o apreciarão. Embora alguns trechos pareçam um teatro filmado, em vista do excesso de cenas internas, a fotografia é bem trabalhada, bem como a iluminação e o sombreamento bem dosados para reproduzir o clima obscuro. A boa interpretação de Vicent Cassel é vital para o aumento do envolvimento do espectador no drama e no suspense. O roteiro pode parecer confuso e desanimador para aquele que não acompanha até o fim, pois é desenvolvido através de peças isoladas, aparentemente sem conexão, porém que irão se encaixar no final da trama.

Octavio da Cunha Botelho
05/08/2013

 

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“O PRIMEIRO MENTIROSO”, A INVENÇÃO DA RELIGIÃO A PARTIR DA INVENÇÃO DA MENTIRA

Rick Gervais vive o papel de Mark Bellison em O Primeiro
Mentiroso, um roteirista arruinado que inventa a mentira e
em seguida os fundamentos da religião.
Comédia escrita, dirigida e estrelada por Rick Gervais, com o auxílio de Matthew Robinson na direção, na qual Gervais vive o papel de Mark Bellison, um roteirista fracassado que acabou de perder o emprego e está à beira da ruína. O elenco reúne a conhecida atriz Jennifer Garner, no papel de Anna McDoogles e o outrora galã Rob Lowe, interpretando Brad Kessler, como os atores mais conhecidos.
O Primeiro Mentiroso (The Invention of Lying - EUA – 2009) se passa no contexto de um mundo atual onde ainda não existe a mentira, portanto todos confiam mutuamente, não existe desconfiança e a confiabilidade é generalizada, sendo assim não existem também a desonestidade, a enganação e a religião. Todos são sinceros, inclusive os vendedores, os garçons e os balconistas, até a propaganda é franca, às vezes depreciando o seu próprio produto. Portanto, durante todo o filme, a palavra mentira não é mencionada, uma vez que ninguém conhece tal palavra, menos ainda o próprio fato. No entanto, a situação começa a mudar quando Mark Bellison (Rick Gervais) perde o emprego e precisar sacar o seu dinheiro no banco para pagar as dívidas. Chegando lá, o sistema dos computadores está desativado, de modo que não é possível saber quanto ele tem em sua conta bancária, então a atendente lhe pergunta qual o seu saldo (lembre-se que ninguém mentia até então, portanto a pergunta era feita com total credibilidade na resposta). Então, Mark tem uma experiência excepcional, algo como uma epifania as avessas, na qual é inspirado a dizer que tinha US$ 800 na sua conta, sendo que na realidade tinha apenas US$ 300. A atendente lhe entrega o dinheiro (US$ 800) e ele sai do banco maravilhado com a experiência, a qual ele, em seguida, tem dificuldade até de explicar aos amigos, uma vez que o fato era inédito e não existia palavra para denominá-lo.
Cena em que Mark Bellison (Rick Gervais) inventa a mentira
ao sacar dinheiro a mais que seu saldo no banco.
Em seguida, Mark fica encantado com a sua nova invenção, a mentira, e então falsifica o roteiro de um autor, alegando ser um texto da Idade Média, o leva até a produtora onde trabalhava, convence o proprietário a ouvir a leitura completa do texto, juntamente com todos os empregados da empresa, quando no final, todos ficam maravilhados com o roteiro de Mark, o roteiro é então comprado pela produtora. Daí Mark torna-se rico e resolve procurar novamente sua paixão, a bela Anna McDoogle (Jennifer Garner), a quem convida para um jantar, a fim de lhe pedir em casamento, mas ela recusa e lhe responde, lembre-se que, por não existir a mentira, as pessoas são absolutamente sinceras, que não irá se casar, pois ele é gordo e tem o nariz batatudo, pois ela não deseja que esta herança genética passe para os seus filhos. No instante do jantar, Mark recebe um telefonema informando que sua mãe está no hospital muito doente, ele corre para lá para encontrá-la. Chegando lá, ela está à beira da morte lhe dizendo que não gostaria de morrer e ser obrigada a ir para um lugar vazio depois da morte. Então, Mark tem outra inspiração e inventa uma mentira para sua mãe de que a morte não é um vazio e que ela irá para um lugar muito agradável, pois a morte é uma felicidade (algo como a invenção do paraíso). O médico e as enfermeiras ouvem aquilo e se impressionam, daí insistem para que Mark fale mais sobre a vida depois da morte. A notícia desta nova revelação se espalha pela cidade e logo uma multidão cerca a casa de Mark a fim de ouvir mais revelações sobre a vida após a morte. Para acalmar a multidão, Mark decide escrever dez regras no verso de duas caixas de embalagem de pizza e fazer um discurso para a multidão, com a duração de mais de duas horas, em frente a sua casa, anunciando uma nova revelação (uma paródia do episódio da revelação dos Dez Mandamentos por Moisés no Antigo Testamento). Neste discurso, ele inventa deus, o qual ele denomina de “o Homem do Céu”, faz uma descrição da vida após a morte (algo como a invenção do paraíso), inventa também uma teoria cosmológica e soteriológica, semelhante à invenção da doutrina religiosa. As revelações de Mark alcançam tanta credibilidade, que até a NASA envia astronautas ao espaço a fim de encontrar o Homem do Céu. Em seguida a igreja é também inventada, sob a denominação de “local sossegado para se pensar no Homem do Céu”. Enfim, está criada a primeira religião no mundo a partir da invenção da mentira.
Mark Bellison (Rick Gervais) se encaminhando para o discurso
sobre as dez regras, escrito no verso das caixas de embalagem
de pizza, para uma multidão em frente a sua casa, uma
paródia do episódio da revelação dos Dez Mandamentos.
Apesar de ser uma sátira à religião, um assunto nem tão bem recebido, o longa alcançou uma bilheteria relativamente alta nos EUA, surpreendente para o país de maior população cristã, US$ 18 milhões, e US$ 32 milhões em arrecadação mundial. Pois, o tema do roteiro vai de encontro ao padrão das produções hollywoodianas, cujas ideias e o valores religiosos são sempre exaltadas, já neste filme, ao contrário, os fundamentos da religião são satirizados e associados à mentira. Esta é uma comédia que agrada, sobretudo, aos céticos e aos ateístas, é divertida e vale a pena ser assistida.
Mesmo sendo uma comédia, a metáfora no roteiro ilustra de maneira significativa e, ao mesmo tempo jocosa, tal como muitos críticos da religião observam, a facilidade com a qual a religião prospera em um ambiente de credulidade. Pois, aonde não há racionalidade e crítica, a religião encontra solo fértil para germinar e se desenvolver. Enfim, a circunstância desta comédia nos faz lembrar uma frase de Voltaire de que, “se a religião não existisse, teria de ser inventada um dia ou outro”, pois é isto o que acontece neste filme: um dia a religião é inventada, ela só estava aguardando a invenção da mentira, uma vez que é o seu subproduto.

 Octavio da Cunha Botelho
17/05/2013


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“O EXORCISMO DE EMILY ROSE”: CIÊNCIA VERSUS FÉ NO TRIBUNAL


A advogada Erin Christine Bruner (Laura Linney) e o
réu, o padre Moore (Tom Wilkinson); um caloroso
debate entre Ciência e Fé se desenvolve no tribunal
A mais conhecida versão cinematográfica do caso verídico de Anneliese Michel (1952-1976), uma jovem católica alemã que, a partir de 1973, começou a manifestar surtos de epilepsia. Submeteu-se inicialmente ao tratamento médico, porém, após algum tempo, foi convencida por outras pessoas, inclusive o padre da sua igreja, de que seu caso não era psiquiátrico, mas sim de possessão demoníaca. Com o seu consentimento, dos seus pais e do bispo da sua paróquia, um padre local iniciou uma série de sessões de exorcismo, durante aproximadamente dez meses (1975-76), o que resultou na sua morte por inanição e por desidratação, em 01 de Julho de 1976.  Acusados pelo assassinato, o padre e os seus pais foram a julgamento numa pequena cidade da região da Bavária, Alemanha, em 1976.
O suspense O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose - 2005) é uma adaptação para o cinema deste episódio real, dirigido por Scott Derrickson (de O Dia em Que a Terra Parou, com Keanu Reeves e Jennifer Connelly), quem também escreveu o roteiro em parceria com Paul Harris Boardman. No elenco, os atores mais conhecidos são: Laura Linney (como a advogada de defesa Erin Christine Bruner), Tom Wilkinson (como o padre e réu Richard Moore), Campbell Scott (como o promotor de acusação Ethan Thomas) e Jennifer Carpenter (como a vítima Emily Rose). O filme segue a história real apenas com relativa aproximação, a primeira e grande diferença está na locação, os eventos reais se passaram numa cidade da Bavária, Alemanha, enquanto neste suspense acontecem numa cidade do interior dos EUA. Também, os nomes dos personagens são todos alterados, Anneliese Michel passa a se chamar Emily Rose no longa.
Anneliese Michel (1952-76): seu caso já
rendeu três filmes
Mais duas versões para cinema já foram feitas além deste suspense de Derrickson: Requien (2006), uma produção alemã do diretor Hans-Christian Schmid e Anneliese: The Exorcist Tapes (2011), lançado também com o título de Paranormal Entity 3: The Exorcist Tapes, produção norte americana do diretor Jude Gerard Prest. A renda de O Exorcismo de Emily Rose foi muito lucrativa, o orçamento foi de US$ 19 milhões e a arrecadação mundial de US$ 144 milhões. O suspense foi incluído na lista da Chicago Film Critics Association como o 86º na lista dos 100 filmes mais assustadores e Jennifer Carpenter executou todos os movimentos de contorções, durante os momentos de ataque epilético, ou de possessão segundo outros, sem a necessidade de efeitos especiais, um formidável trabalho da atriz.
Entretanto, o que mais merece observação aqui é que o caso foi a julgamento e, um caloroso e, às vezes até hostil, debate no tribunal se desenrola entre a acusação, representada pelo promotor Ethan Thomas (Campbell Scott), um homem de fé, mas que concentra sua argumentação desde o ponto de vista da Ciência, e a advogada de defesa, representada por Erin Christine Bruner (Laura Linney), uma incrédula que, por ambições profissionais, se dispõe a defender o padre acusado de assassinato negligente, durante a prática do exorcismo, quem direciona sua argumentação de defesa para o ponto de vista da fé. As discussões são tão ardentes e polêmicas que a juíza, durante o julgamento, começa a permitir, cada vez mais, a apresentação de argumentos da defesa a partir de razões sobrenaturais da advogada, os quais geralmente não são aceitos em tribunais pelo mundo afora, lógico, acompanhados por furiosos protestos do promotor de acusação.
Cena de uma sessão de exorcismo de Emily Rose
Se considerado o contexto, interior dos EUA (na historia real, no interior da Alemanha), a época (anos 1970), as limitações culturais dos debatedores (advogados e não cientistas e teólogos), bem como de se tratar de roteiro adaptado de uma história real, os debates no filme até que são interessantes, sobretudo pelo fato de acontecer num tribunal. As cenas chocantes de terror, nos momentos de ataques epiléticos (possessão para alguns religiosos) de Emily Rose, poderão assustar os espectadores desacostumados a tais horrores, porém se suportadas estas passagens, o suspense, em geral, é atrativo e curioso, por se tratar, sobretudo, de um episódio histórico. O desfecho do julgamento no filme acompanha os fatos reais, resultado este que poderá instigar ainda mais polêmica entre céticos e crentes, em razão do complacente abrandamento da pena do réu, o que nos faz lembrar a tradicional impunidade brasileira.

Octavio da Cunha Botelho
23/04/2013


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A APOFENIA EM "O PARAÍSO É LOGO AQUI’’ 



Esperanza (Adriana Barraza) e Henry Poole (Luke Wilson)
se confrontam em calorosas discussões sobre fé e ceticismo
em O Paraíso É Logo Aqui
Este é mais um drama que reproduz o conflito entre o ceticismo e a fé. Filme de 2008 dirigido pelo pouco conhecido Mark Pellington (1962-), contando no elenco com Luke Wilson, Radha Mitchell e Adriana Barraza. O roteiro é do também desconhecido Albert Torres. O título original é “Henry Poole Is Here”, mas lançado no Brasil com o estranho nome de “O Paraíso É Logo Aqui”. O personagem cético é Henry Poole, interpretado por Luke Wilson, e a crente é Esperanza, interpretada por Adriana Barraza, juntamente com seus companheiros de igreja.
Henry Poole (Luke Wilson) é um doente terminal que abandona sua vida, logo após saber da notícia de sua doença incurável, e compra uma casa no subúrbio da cidade onde mora nos EUA, para passar os seus últimos dias. Torna-se alcóolotra e ocioso. Uma vez que não exigiu desconto na compra da casa, a corretora lhe presenteia reformando e pintando a casa recém adquirida. No entanto, o descuido dos pintores deixa uma mancha em uma das paredes da casa e, uma vez que muitas casas nos EUA não possuem muros entre elas, uma vizinha começa a perceber uma imagem de Jesus nesta mancha na parede. Então, logo após sua mudança, Poole é visitado por Esperanza (Adriana Barraza), uma fervorosa católica, que acredita que aquela mancha é uma imagem do rosto de Jesus, portanto um milagre, para lhe pedir que traga outros fiéis da sua igreja, bem como o padre, para testemunharem o fenômeno milagroso. Com o tempo e contra a sua vontade, a casa de Poole se transforma em um santuário.  A obsessiva crença de Esperanza se torna insistente o que resulta em constantes discussões entre ela e cético Poole. Algumas pessoas passam a se dizerem curadas após o contato com a tal parede com o rosto de Jesus, porém Poole continua não acreditando em milagres. 
Luke Wilson vive o papel de Henry Poole, um homem
atormentado pela notícia de uma doença incurável
O drama não é uma obra prima, tampouco o elenco o que Hollywood tem de melhor, mas o que é interessante comentar aqui são os exemplos de Pareidolia e de Apofenia mostrados no filme. Este último é o fenômeno cognitivo de percepção de padrões ou conexões a partir de dados aleatórios. Ou seja, uma conclusão a partir de dados cognitivos ainda inconclusivos, portanto, uma precipitação cognitiva. Por isso, é um importante fator na criação de crenças supersticiosas, da crença no sobrenatural e da ilusão de ótica, de modo que as conexões de Apofenia são frequentemente acompanhadas de significado religioso e sobrenatural. Pareidolia é um tipo de Apofenia. Um dos exemplos mais frequentes de Apofenia é a tendência de algumas pessoas de perceberem figuras nas nuvens. O mais comum é as pessoas perturbadas por este fenômeno formarem figuras ou ouvirem sons conforme a sua predisposição, portanto, pessoas religiosas enxergam figuras ou sons religiosos. Portanto, a percepção do rosto de Jesus na parede, pelos vizinhos cristãos de Poole, é um exemplo do efeito deste fenômeno cognitivo na mente dos religiosos. Não se trata de um fenômeno visual ou auditivo, o que é muito diferente, mas sim de um fenômeno cognitivo que afeta a formação cognitiva, quer visual ou auditiva, pelo cérebro.
A percepção de uma face humana em fotografia da superfície
de Marte é um conhecido exemplo de Apofenia
A experiência de Apofenia na parede é o ponto de partida para um drama de conflitos entre a fé da devota Esperanza (Adriana Barraza) e o ceticismo do descrente Henry Poole (Luke Wilson), ambos portadores de traumas, ela de um único amor que faleceu de enfarte na casa onde Poole acabara de comprar, e ele da recente noticia de sua doença incurável. A insistente tentativa dela de convencê-lo da realidade do milagre intensifica as discussões, ao ponto de assumir um caráter hostil. No entanto, a vida de Poole muda quando ele conhece outra vizinha, a bela Dawn, recém divorciada, cuja filha de seis anos, Millie, não fala desde a separação do pai. O ceticismo de Poole é abalado quando, um dia em seu quintal, a criança toca a mancha na parece e, logo em seguida, começa a falar. Dawn, sua mãe, reconhece aquele fenômeno como um milagre da tal imagem.
O roteiro do filme deixa algumas passagens obscuras, o que levou os críticos a avaliarem o drama de diferentes maneiras. Por exemplo, não fica claro se a notícia da doença incurável de Poole se tratava de uma experiência de Apofenia auditiva ou não. Quando entendido desde a perspectiva do fenômeno da Apofenia e seus efeitos, o filme assume um mérito muito diferente daquele avaliado pelos críticos que consultei, uma vez que alguns o julgaram como um “melodrama banal e comercial”. Não me prece assim quando se insere a experiência de Apofenia no contexto, o que é ignorado em todas as críticas consultadas.
Como mencionado antes, o drama não é uma obra prima, porém quando entendido desde a perspectiva dos desdobramentos do fenômeno da Apofenia, ou seja, a resultante crença obsessiva de Esperanza no milagre da parede e a resistência cética de Poole, o filme passa a ter um caráter psicologicamente interessante quanto à relação entre Ciência Cognitiva, Psicologia e Religião.

Octavio da Cunha Botelho
15/04/2013




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“EM BUSCA DO CÉU” E A EDUCAÇÃO RELIGIOSA NA INFÂNCIA


Pete (dir.) convence Danny (esq.) de que, por ser judeu, terá
de superar dez provas do decathlon para entrar no céu
            Recentemente, o canal de TV por assinatura Sony exibiu o filme “Em Busca do Céu” (Stolen Summer, 2002), cujo roteiro é inteiramente centrado no tema religioso, mais especificadamente, na compreensão da religião desde o ponto de vista da criança. Uma produção para TV, resultado do Project Greenlight, patrocinado pelos atores Ben Affleck e Matt Damon, juntamente com o canal HBO, com o objetivo de revelar novos profissionais para o cinema. O longa acima foi o primeiro vencedor do concurso deste projeto, em 2001, concorrendo com mais de sete mil roteiros. O roteirista premiado foi Pete Jones, que também dirigiu o trabalho. O elenco conta com atores conhecidos como Aidan Quinn (no papel de um imigrante irlandês e pai de uma família muito católica), Brain Dennehy (no papel do padre Kelly) e Kevin Pollak (no papel do rabino Jacobsen).
            No entanto, o protagonismo do drama está nas ações de dois garotos, Pete, interpretado por Adi Stein, de 8 anos e aluno de uma escola católica, o qual faz amizade com Danny, interpretado por Mike Weinberg, de 7 anos, filho de um rabino. O primeiro, cansado de ouvir a sua professora, uma freira católica, lhe dizer que irá para o inferno, decide tentar mudar este destino funesto com a ideia de converter um judeu ao catolicismo, a fim de se livrar desta maldição, pois ele ouviu falar na sua escola católica que os judeus não vão para o céu, então, fazendo assim, ele imaginou que poderá entrar no céu também. Para tanto, assim, no primeiro dia das suas férias de verão, ele instala uma barraca em frente à sinagoga do seu bairro oferecendo limonada gratuita para judeus, a fim de atraí-los e, consequentemente, convertê-los. Imediatamente, ele faz amizade com o rabino Jacobsen (Kevin Pollak), o qual acha a ideia maluca, mas permite que o garoto continue sua tentativa. Logo em seguida, a residência do rabino é incendiada e o pai de Pete, Joe (Aidan Quinn), que é bombeiro, salva heroicamente o filho do rabino, Danny, das chamas. Consequentemente, o rabino torna-se muito grato pelo feito e presenteia a família de Joe, o que leva a uma aproximação entre as duas famílias de judeus e de cristãos, cujo relacionamento passa, em seguida, a intercalar momentos de cordialidade com momentos de hostilidade, em virtude da gratidão e das diferenças culturais respectivamente.
Joe (esq.), católico, discute com o rabino
 Jacobsen sobre diferenças religiosas
            Com a aproximação, Pete faz amizade com Danny, filho do rabino, e o convence de que judeus não vão para o céu, então, se ele pretende ir para o paraíso terá de superar dez provas de decathlon criadas por Pete. Porém, Danny tem dificuldade na última prova, pois sofre de leucemia. Enfim, o filme não é uma obra prima, mas é, pelo menos, assistível, sobretudo quando se tem presente que são interpretações das religiões cristãs e judia desde uma perspectiva infantil.
            Agora, o que este drama nos leva a refletir é sobre a polêmica da educação religiosa na infância, sobretudo quando esta é embutida nas crianças, pelos pais, desde a tenra idade. Críticos deste procedimento aconselham que é mais prudente aguardar até quando se atinja uma idade mais avançada e, então, deixar que os próprios filhos decidam, espontaneamente, se pretendem seguir a religião dos pai ou não. No entanto, algumas famílias não entendem assim, pois pensam que a preservação da tradição está acima de tudo, daí que procuram fazer o máximo possível para passá-la aos filhos.
            A obseção de Pete de não ir para o céu, a qual o levou à ideia maluca de oferecer limonada gratuita na frente da sinagoga para converter judeus, bem como a ideia das dez provas de decathlon para que Danny pudesse entrar no céu e a aceitação ingênua deste último são exemplos da confusão que a educação religiosa precoce provoca na mente das crianças.
O ator Adi Stein em cena de "Em Busca do Céu". O drama
 expõe os efeitos da educação religiosa nas crianças
            Esta prática é ainda mais acentuada nas religiões hereditárias, que são aquelas que não aceitam a conversão (Hinduísmo, Jainismo, Zoroastrismo, Sikhismo e algumas correntes do Judaísmo), assim sendo, neste caso a transmissão só é passada dos pais para os filhos. Estas são diferentes das religiões proselitistas (Cristianismo, Islamismo, Budismo, etc.), as quais permitem conversões e promovem missões e campanhas de arrebanhamento de seguidores. Uma vez que as religiões hereditárias não podem recrutar seguidores de fora, o seu esforço maior é evitar que os que já estão dentro saiam, e que seus filhos se interessem em manter a tradição, portanto, a principal preocupação destas tradições é evitar a desistência e a apostasia. Apesar dos esforços, o Hinduísmo é a religião como o maior número de casos de desistências na atualidade. Nas religiões proselitistas, o problema da educação e/ou da doutrinação para crianças poderia ser mais facilmente contornado, se não fosse a ansiedade dos pais de verem seus filhos engajados na tradição da família tão cedo, fazendo com que, em muitos casso, esta prática se assemelhe àquela das religiões hereditárias.

Octavio da Cunha Botelho
15/02/2013



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A EUTANÁSIA NA TELA, O CINEMA ESTIMULA A REFLEXÃO


Jack Kevorkian e o ator Al Pacino na cerimônia de
lançamento do filme "You Don't Know Jack", em 2010
Ontem foi exibido, em um dos canais de TV por assinatura, o telefilme “You Don’t Know Jack” (2010), uma produção biográfica da HBO para televisão, portanto não foi lançado nos cinemas, sobre um episódio da vida do médico americano e filho de imigrantes armênios, Jack Kevorkian (1928-2011), conhecido também como Doutor Morte (Dr. Death), o qual auxiliou no suicídio assistido de mais de 130 pacientes e lutou pela legalização da eutanásia no estado de Michigan, EUA, nos anos 1990, até sua prisão em 1999, para cumprir uma pena de até 25 anos, no entanto, foi libertado antecipadamente em 2007 mediante a promessa solene (on parole) de não mais realizar estas práticas.
O filme é baseado, em parte, no livro “Between the Dying and the Dead: Dr. Kevorkian’s Life and the Battle to Legalize Euthanasia” (Entre o Moribundo e o Morto: a Vida do Doutor Kevorkian e a Batalha para Legalizar a Eutanásia), escrito por Neal Nicol, seu assistente e fabricante dos equipamentos utilizados no processo de morte assistida, cuja prática era feita clandestinamente.
Além do conhecido Al Pacino, o elenco conta com atores e atrizes consagrados como Susan Sarandon (no papel de Janet Good, amiga de Kevorkian e sua paciente de eutanásia) e John Goodman (no papel de Neal Nicol). A direção é do premiado Barry Levinson, cineasta de um currículo extenso de trabalhos conhecidos como Bom Dia Vietnã (1987), Rain Man (1988), Sleepers: A Vingança Adormecida (1996), A Inveja Mata (2004) e outros. Al Pacino ganhou os prêmios Emmy e Globo de Ouro, como Melhor Ator, por seu formidável desempenho neste papel.
Susan Sarandon e Al Pacino em cena de
You Don't Know Jack
Apesar do enfoque principal do filme seja dirigido à batalha judicial de Kevorkian, com a ajuda de seu advogado Geoffrey Fieger (interpretado por Danny Huston), nos tribunais de Michigan, para inocentá-lo de suas práticas clandestinas e, simultaneamente, conseguir a legalização da eutanásia, o longa também mostra os ocasionais protestos de religiosos revoltados com os incidentes, os quais costumavam cercar a residência do médico e o perturbavam com a repetição da frase “a vida é uma escolha de deus”. Numa ocasião, um manifestante se aproximou e lhe perguntou se ele tinha um deus, então ele respondeu que seu deus era Johann Sebastian Bach e que pelo menos ele não acreditava em um deus inventado. Mesmo com o foco no lado judiciário, será interessante comentar sobre esta produção aqui, uma vez que trata de um assunto muito discutido e combatido pelos religiosos.
O filme mostra que Kevorkian era um idealista determinado e com coragem de enfrentar a sociedade oponente e a Justiça. Sua pretensão maior era ver o reconhecimento da eutanásia pela Suprema Corte dos EUA e sua legalização pelo Congresso Americano. Ela tinha um temperamento irreverente e tinha sempre respostas prontas e imediatas, era franco e direto em suas conversações. Sua irreverência chegou ao ponto de, numa sessão do Tribunal de Michigan, ir vestido com trajes do século XVI, com peruca de cacheados, amarrado com correntes e grilhões, tal qual prisioneiro, bem como, gritando para o público, em frente ao prédio do Tribunal, que estava chegando para uma sessão do Tribunal da Inquisição da Idade Média. A magnífica interpretação de Al Pacino estimula sobremaneira a comoção do espectador, de modo que os prêmios recebidos foram muito merecidos. Em suma, o elenco em geral está muito bem também. Ademais, é mostrado um médico pobre, visto que ele não cobrava pelas sessões de suicido assistido. Ele também era artista, num momento da sua vida chegou a ficar tão pobre, que decidiu organizar uma exposição para vender suas pinturas, a fim de reunir dinheiro para a compra dos equipamentos necessários para o seu trabalho clandestino. Chegou a perder sua casa, portanto teve de residir, até a sua prisão em 1999, de favor numa casa desocupada, oferecida por seu advogado, a qual tinha sido recebida como pagamento de dívida.
Jack Kevorkian (Al Pacino) no Tribunal,
 comportamento irreverente
Além do mais, seu advogado não lhe cobrava os honorários advocatícios, bem como costumava pagar a fiança para retirar Kevorkian da prisão, ocasião na qual este último ficava enfurecido. Ele também imitou algumas estratégias de Mahatma Gandhi, como também tinha alguns comportamentos semelhantes, pois costumava fazer greve de fome na prisão, a fim de comover a opinião pública e jogá-la contra as autoridades, passando-se assim por mártir. Ademais, não temia ser aprisionado, bem como não se sentia envergonhado. Uma passagem imita uma cena do filme Gandhi (1982) de Richard Attenborough, quando Kevorkian está em casa cuidando dos gansos e, em seguida chega seu advogado para conversar sobre sérios assuntos jurídicos, mas o médico não lhe dá a devida atenção, continuando a se preocupar mais com os gansos. Uma cena que parece ter sido copiada do filme Gandhi, quando o mesmo está alimentando sua cabra e, então chega Pandit Nehru para conversar sobre assuntos da campanha política de libertação da Índia, e o Mahatma demonstra pouco interesse no assunto e prefere falar sobre o estado de saúde da sua cabra, num exemplo de extrema sensibilidade para com a vida acima de tudo. Até a cena de expressão de impaciência de Nehru foi imitada na expressão de impaciência no rosto do advogado de Kevorkian.
Na prisão, ele praticava greve de fome e se irritava quando o
seu advogado pagava a fiança para libertá-lo, estilo Gandhi
Para muitos espectadores, algumas cenas são chocantes, dado ao grau de dramaticidade e de realismo imprimido pelo diretor nas cenas nas quais Kevorkian filmava o processo de suicídio assistido de seus pacientes, para provar no Tribunal que aquilo não era assassinato; enquanto que, para outros, apenas o tema, já é abominável, sobretudo para os religiosos. Algumas cenas mostrando o sofrimento e o desespero dos pacientes, diante da dor, ao ponto de solicitar que ponham fim a suas vidas, são comoventes e, por outro lado, servem como um cutucão para que apresse as discussões e as decisões sobre a eutanásia, sobretudo nos países onde este processo de legalização ainda enfrenta oposição religiosa.

Octavio da Cunha Botelho
07/02/2013



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"DOMINAÇÃO", NEM SÓ DE FOTOGRAFIA VIVE O FILME

Cartaz do suspense Dominação
(Lost Souls), a trama mostra o
conflito entre a crença e o ceticismo

            Este suspense, Dominação (Lost Souls, 2000), foi exibido recentemente em um dos canais de TV por assinatura. Trata-se de um longa pouco conhecido do público, uma vez que não foi lançado nos cinemas brasileiros e seu lançamento em DVD foi feito por uma distribuidora de pequeno porte, a Playarte. A direção geral é de um estreante nesta função, o polonês Janusz Kaminski, o qual tem uma bem sucedida experiência como diretor de arte, pois trabalhou em filmes premiados como A Lista de Schlinder e O Resgate do Soldado Ryan, ambos de Steven Spielberg. No elenco estão a conhecida Winona Ryder, o inglês Ben Chaplin e o talentoso John Hurt.
            O motivo para este filme ser comentado nesta coluna reside no fato do seu roteiro tratar, do início ao fim, do tema religioso. Os tópicos centrais são os conflitos entre a crença (representada por Winona Ryder) e o ceticismo (representado por Ben Chaplin), bem como a tão explorada situação da luta entre o Bem e o Mal. Winona Ryder vive o papel de uma professora (Maya Larkin) de uma escola católica, devota e muito confiante nas doutrinas da sua religião, porém com um passado psicologicamente tumultuado, o qual reflete em frequentes crises de alucinações no presente. Ela é amiga do padre Lareaux (John Hurt), com a ajuda de quem consegue assistir a uma sessão de exorcismo de um serial killer, que está em tratamento neurológico. Após esta sessão, que tem um final desastroso, ela consegue decifrar uma mensagem codificada, cujo meio de decifração não é claramente mostrado, deixando o espectador desacreditado da verossimilhança da trama. Daí, em seguida, ela é levada a acreditar obcecadamente que, assim como o Bem encarnou em Jesus para salvar a Humanidade, o Mal encarnará em breve no corpo de um jornalista e escritor bem sucedido, Peter Kelsom, interpretado por Ben Chaplin, para destruí-la. Ela sabe até a data e a hora que acontecerão a encarnação do demônio no jornalista: no seu aniversário de 33 anos às 5:55h. Então, logo em seguida, ela o procura para convencê-lo desta iminência, ele inicialmente considera a ideia absurda, pois é um cético convicto, mas com os acontecimentos que se sucedem, começa a perceber sinais de que pode ser verdade, e com isso seu ceticismo começa a esmorecer. Atormentado com esta possibilidade, ele se desespera, chegando ao ponto de até visitar uma igreja para rezar.

Winona Ryder vive o papel de uma professora católica
obcecada pela ideia da vinda do Mal ao mundo
           O conflito entre a crença e o ceticismo é mostrado na trama de uma maneira tão juvenil que, poderá agradar, no máximo, aos adolescentes recém saídos da admiração pelos filmes de Harry Potter ou da saga Crepúsculo;  qualquer adulto instruído que gostar do roteiro, deverá procurar um psicólogo para avaliar seu processo de amadurecimento intelectual. Daí que críticas foram publicadas sobre esta produção, uma das mais publicadas foi que a sujeição de Winona Ryder em atuar neste medíocre filme confirma o processo de decadência da carreira desta atriz, a qual já estrelou em filmes de grande sucesso.             
            Em vista do background como diretor de arte, Janusz Kaminski é capaz de apresentar um trabalho de fotografia que transmite um clima sombrio para o tema do filme, a expectativa da chegada do Mal. A iluminação e o trabalho com as sombras na fotografia são primorosos, entretanto, a precariedade e a banalidade do roteiro não correspondem a instigante atmosfera sombria tão fascinantemente deixada pela fotografia. O início do filme alimenta uma expectativa encantadora, que prepara o caminho para o suspense, em virtude da fascinação deixada pela fotografia sombria, no entanto, à medida que o roteiro se desenvolve, as cenas passam a frustrar o espectador, pois o contraste é notório. Em suma, o filme é pautado pela disparidade entre a sublimidade da fotografia e a mediocridade do roteiro (os roteiristas também são estreantes, Betsy Stahl e Pierce Gardner), em outras palavras, o que a encantadora imagem sombria é capaz de criar no suspense é desfeita pela mediocridade do roteiro. O desfecho não é convencional, portanto distanciando-se dos tantos outros suspenses enlatados, daí o seu pequeno sucesso de bilheteria.
Winiona Ryder (Maya Larkin) conversa com um padre em
cena de Dominação (Lost Souls)
Os únicos benefícios em assistir a esta produção são, além do bom trabalho de fotografia, tal como comentado acima, as oportunidades de apreciar a graciosidade de Winona Ryder e de rever a atuação de um ator formidável como John Hurt, embora esteja em um papel  pequeno. Concluindo, depois de assistir a este suspense, o sentimento que fica no espectador é o de pesar pelo desperdício de uma fotografia tão fascinante para ilustrar um roteiro tão banal... uma pena!




Octavio da Cunha Botelho
01/02/2013

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O TIBETE NO CINEMA



Cena de Horizonte Perdido (Lost Horizon) de 1937,
dirigido por Frank Capra

            Aproveitando a recente postagem do meu artigo sobre os líderes tibetanos: “A Linhagem dos Dalai Lamas: um Breve Estudo Crítico-histórico”, postado em 22/11/2012, comento aqui alguns dos mais conhecidos filmes de cinema com o tema relacionado ao Tibete. A quantidade de produções sobre este assunto poderá ser enorme, se levarmos em conta tudo que é produzido no mundo, sobretudo nos países asiáticos. Portanto, os comentários aqui se limitarão às produções mais conhecidas por terem sido exibidas internacionalmente.
            O primeiro deles é um filme que existe em duas versões, Horizonte Perdido (Lost Horizon), baseado no livro homônimo de James Hilton de 1933. A primeira versão, de 1937, foi dirigida pelo conhecido diretor Frank Capra. Excedeu o orçamento da produção em mais de US$ 700 mil e demorou cinco anos para obter o retorno financeiro do valor do orçamento, o que provocou um desentendimento entre este diretor e o então chefe da Columbia Pictures. 
Horizonte Perdido (Lost Horizon), refilmagem de 1973,
 apelidado de Lost Investment (Investimento Perdido)
A segunda versão é de 1973, uma refilmagem de 1937, dirigida por Charles Jarrott, uma produção cara que reuniu um elenco de atores famosos na ocasião: Peter Finch, Liv Ullmann, John Gielgud, Michael York (um grande galã na época), George Kennedy e a bela Olivia Hussey (a Julieta do filme Romeu e Julieta de Franco Zeffirelli), com músicas de Burt Bacharach. Tentando pegar uma carona no recente sucesso do musical “A Noviça Rebelde” (The Sound of Music), a refilmagem de 1973, ao contrário, teve um orçamento de US$ 12 milhões e um retorno de bilheteria de apenas US$ 3 milhões, portanto um prejuízo tão monstruoso que os críticos americanos apelidaram o filme de Lost Investment (Investimento Perdido). Dos filmes que serão comentados aqui, este é o mais fantasioso. De modo que, quem ler o livro de Peter Bishop, “The Myth Of Shangri-la, Tibet, Travel Writing and the Western Creation of Sacred Landscape” (O Mito de Sangri-La, Tibete, Escrito de Viagem e a Criação Ocidental da Paisagem Sagrada) e em seguida assistir este filme, achará esta produção ridícula, e talvez até cômica. Enfim, é decepcionante para um admirador da brilhante atriz Liv Ullmann, uma das melhores atrizes da história do cinema, vê-la atuando num filme enlatado tão “americanoide”.
Cena de O Pequeno Buda, de Bernardo Bertolucci,
nem a participação de Keanu Reeves ajudou na bilheteria.
           O próximo filme é O Pequeno Buda (The Little Buddha) do consagrado diretor Bernardo Bertolucci (de O Último Imperador, vencedor de nove Oscars), de 1993, um budista declarado e amigo do atual Dalai Lama. O longa contou com atores conhecidos como Bridget Fonda e Keanu Reeves, este último no papel de Buda, uma vez que o filme reproduz duas histórias, a da procura de alguns lamas tibetanos pela reencarnação de um lama famoso, a qual foi encontrada no filho, ainda criança, da personagem interpretada por Bridget Fonda, em Seatle, EUA, intercalado por episódios da vida de Buda, interpretado por Keanu Reeves. O roteiro do filme deve ter sido inspirado no anúncio, já feito pelo atual Dalai Lama, de que a linhagem dos dalai lamas poderá ter um fim, ou de que o próximo Dalai Lama poderá ser um ocidental ou uma mulher. Quando os pais de Jesse (o garoto americano que foi apontado pelos lamas como reencarnação de um famoso mestre tibetano) decidem levá-lo ao mosteiro no Butão, lá descobrem que, o mesmo importante lama foi encontrado reencarnado em mais duas crianças, um garoto (Raju) e uma garota (Gita). O roteiro do filme é muito banal, portanto mais indigerível ainda para aqueles que não acreditam neste processo de lamas reencarnados (tulkus), tão peculiar ao Budismo Tibetano. A bilheteria foi fraca, apenas US$ 4,8 milhões nos EUA. O filme foi tão repudiado que nem a participação de Keanu Reeves garantiu um retorno razoável. O roteiro é tão banal que, em alguns trechos, o filme parece até um catecismo para budistas principiantes.
Brad Pitt (Heirinch Harrer) com o jovem Dalai Lama
em cena de Sete Anos no Tibete, o filme mais lucrativo.
            O próximo já é um filme recomendável, trata-se de Sete Anos no Tibete (Seven Years in Tibet) do talentoso diretor Jean-Jacques Annaud (de O Nome da Rosa), de 1997, estrelado pelo famoso ator Brad Pitt, no papel do alpinista austríaco Heinrich Harrer, autor do livro homônimo, no qual o filme foi inspirado, onde ele narra suas aventuras no Tibete, de 1944 a 1951, após ter fugido de uma prisão na Índia, por ter sido considerado inimigo dos ingleses, durante os anos da Segunda Guerra Mundial.  Ao chegar em Lhasa, ele consegue, depois de algum tempo, ser recebido pelo atual Dalai lama, Tenzin Gyatso, ainda criança e, em seguida, conquista a sua simpatia se tornando um dos seus tutores.
            O filme tem um difícil trabalho de edição e de montagem, uma vez que não foi permitida a realização das filmagens no Tibete, então as captações dos atores foram feitas separadas das imagens de fundo, depois sobrepostas para parecer que as cenas aconteciam em locações no Tibete. As sobreposições de imagens ficaram perfeitas, somente um editor de vídeo profissional é capaz de perceber o trabalho de sobreposição de imagens.  Embora a escolha de Brad Pitt para o papel não tenha sido a melhor opção, sua presença garantiu um lucrativo retorno, pois o orçamento foi de US$ 70 milhões e a bilheteria de US$ 131 milhões. O roteiro é agradável e a fotografia bem trabalhada.
Kundun, de Martin Scorsese,
 outro amargo prejuízo.
            O próximo, um trabalho do consagrado diretor Martin Scorsese, é Kundun (1997), nome pelo qual os tibetanos se dirigem ao seu grande líder, Dalai Lama é uma denominação utilizada pelos ocidentais. Outro fracasso, o orçamento foi de US$ 28 milhões e a bilheteria nos EUA de apenas US$ 5,6 milhões. Trata-se de um filme biográfico, que mostra a vida do atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, desde 1937 até 1959, ano da sua fuga do Tibete para a Índia, depois da fracassada revolta do povo tibetano contra a ocupação chinesa. O elenco não inclui nenhum ator famoso, sendo que, seu sobrinho, Tenzin Thuthob Tsarong, atua no papel do Dalai Lama quando adulto. O filme é interessante para aqueles que desejam conhecer a vida do líder tibetano e detalhes da cultura budista do Tibete.
            Pelos resultados da bilheteria dos filmes acima, o leitor poderá estar pensando que, filmes sobre o Tibete estão destinados ao fracasso de renda (exceto Sete Anos no Tibete). A realidade não é bem assim, existem muitas outras produções, com orçamentos pequenos, que não resultam em prejuízo, o que coincidiu aqui foi a escolha de alguns dos mais exibidos internacionalmente que resultaram em fracasso.

Octavio da Cunha Botelho
28/11/2012



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APARECIDA, NEM UM MILAGRE SALVOU O FILME


Cena do filme Aparecida o Milagre

Ela é a padroeira do Brasil e seu dia, 12/10, é feriado nacional desde 1978. Seu santuário em Aparecida do Norte é o maior centro de adoração da Virgem Maria no mundo. Sua popularidade aqui é tamanha que, até no cinema, já foram produzidos alguns filmes sobre os acreditados milagres de Nossa Senhora Aparecida. O primeiro foi Milagres de Nossa Senhora Aparecida, de Arturo Carrari, de 1919; o último, Aparecida o Milagre, direção da consagrada diretora Tizuka Yamasaki, que filmou grandes obras do cinema nacional, tal como Gaijin: Caminhos da Liberdade (1980), e também acostumada aos grandes sucessos de bilheterias dirigindo filmes da Xuxa (Lua de Cristal, 1990; Xuxa Requebra, 1999; Xuxa Popstar, 2000 e Xuxa e o Mistério de Feiurinha, 2009). No elenco estão: Murilo Rosa, Maria Fernanda Cândido, Bete Mendes e Jonatas Faro. 
Maria Fernanda Cândido está no elenco 
No entanto, Yamasaki embarcou num projeto que se tornaria o maior fracasso da sua carreira. Lançado nos cinemas brasileiros em 12 de Dezembro de 2010, o longa ficou em cartaz por quatro semanas e atraiu apenas 220 mil espectadores, com arrecadação total de R$ 1,6 milhão, sendo que o orçamento do filme foi de R$ 5 milhões, um prejuízo monstruoso, que milagre nenhum conseguiu recuperar. No fim de semana de lançamento, atraiu somente 50 mil espectadores, ficando em sétimo lugar no ranking nacional de bilheterias. O único local onde o filme conseguiu ficar mais tempo em cartaz foi em Guaratinguetá-SP, cidade vizinha de Aparecida do Norte. Por ser dirigido por Tizuka Yamasaki, a expectativa de sucesso era grande, bem como por ter sido produzido pela Globo Filmes e distribuído pela Paramount Pictures, mas nada disso ajudou o filme decolar.
Tizuka Yamasaki, a diretora
Ademais, o lançamento em DVD não teve grande repercussão, bem como, os canais de filmes de cinema na TV não exibem o filme regularmente. Bem, se no país de maior população católica do mundo (pelo menos cerca de 120 milhões), o filme não conseguiu alcançar sucesso de bilheteria, não terá outro lugar onde poderá recuperar o prejuízo da baixa renda nos cinemas e das poucas vendas em DVD. Agora, para quem aprecia o cinema, é difícil entender como alguém, que dirigiu uma obra prima como Gaijin, se envolve na direção de um melodrama carola como Aparecida o Milagre.
Então, se você se interessar em conhecer os trabalhos de Tizuka Yamasaki, evite assistir este filme e os da Xuxa, e procure ver Gaijin: Caminhos da Liberdade (1980), estrelado por Antonio Fagundes, sobre o drama da adaptação dos imigrantes japoneses no Brasil, uma obra de arte do cinema nacional.


Octavio da Cunha Botelho
11/10/2012


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A VIDA CURTA NOS CINEMAS DE "E A VIDA CONTINUA..."

Amanda Acosta em cena de E a Vida Continua...
A partir do lançamento de Chico Xavier em 02/04/2010, o mercado cinematográfico brasileiro descobriu um nicho: o filme espírita, um gênero até então inexplorado. Este drama sobre a vida do médium de Uberaba permaneceu por oito semanas em cartaz nos cinemas e atraiu 3,4 milhões de espectadores. Logo em seguida, estes números foram ultrapassados por outro filme espírita, Nosso Lar, lançado em 03/09/2010, o qual permaneceu em cartaz também por oito semanas, mas alcançando 3,9 milhões de espectadores. Dentre as produções brasileiras, estes dois filmes apenas perdem em número de público para Tropa de Elite 2 (11 milhões).
No entanto, os próximos lançamentos não alcançaram os mesmos resultados, As Mães de Chico Xavier, lançado em 01/04/2011, permaneceu apenas quatro semanas em cartaz e atraiu somente 478 mil espectadores. O próximo foi pior ainda, O Filme dos Espíritos, lançado em 07/10/2011, ficou em cartaz por apenas três semanas, com um pequeno público de 205 mil espectadores. O atual filme espírita em cartaz, E a Vida Continua..., está no mesmo ritmo destes dois últimos. Com duas semanas em cartaz, o drama atraiu apenas cerca de 200 mil espectadores, portanto dificilmente alcançará 250 mil espectadores. Provavelmente não passará da terceira semana em cartaz. A expectativa dos produtores era alcançar um milhão de espectadores. É deste último filme que passaremos a comentar em seguida. 
Luiz Baccelli, Amanda Acosta e Lima Duarte estão no
elenco de E a Vida Continua...
Trata-se de um filme homônimo baseado em livro psicografado por Chico Xavier, pelo “espírito” André Luiz. O roteirista e diretor, Paulo Figueiredo, ator conhecido das novelas brasileiras, estreou nesta produção como diretor de cinema. O drama é estrelado por Amanda Acosta (Evelina), Luiz   Baccelli (Ernesto) e Lima Duarte (instrutor Ribas). Apesar de algumas diferenças em relação ao livro, o filme, em linhas gerais, segue a história central do livro. As seguintes adaptações chamam a atenção. Primeira, a ambientação na época atual (arquitetura, mobília, vestuário, etc.), uma vez que o livro é de 1968, com isso o diretor procurou evitar captações externas muito amplas, se limitando ao interior de recintos ou aos pátios e jardins dos ambientes mencionados no livro. Outra adaptação foi com os diálogos, os quais no livro são exageradamente floreados e formais, para um texto coloquial e informal, a fim de não desagradar o público e consequentemente comprometer a bilheteria.
Sabemos que os filmes sobre o sobrenatural, a reencarnação, a vida depois da morte e o mundo do além são numerosos no cinema, sobretudo nas produções holywoodianas.  Lembre-se do sucesso do filme Ghost – Do Outro Lado da Vida, estrelado por Demi Moore, Patrick Swayze e Whoopi Goldberg.  Entretanto, a grande diferença entre os filmes com estes temas e os filmes espíritas, é que os primeiros são produzidos como fantasia a fim de entretenimento, enquanto os últimos são produzidos a partir de livros de drama escritos com base numa doutrina religiosa, na qual os espíritas acreditam ser verdade, com o objetivo de ilustrar o destino físico e sobrenatural das pessoas. Portanto, é sempre um drama com uma mensagem didática de fundo. De modo que, por trás da mensagem, existe sempre um objetivo catequético. Em suma, uma combinação de drama e pregação.
Evelina (Amanda Acosta) e Ernesto (Luiz Baccelli)
no interior da nave que os traz de volta ao
mundo físico para reverem seus familiares
Quanto ao livro, a redação é forçadamente floreada, tanto na narrativa como nos diálogos. Os críticos literários ou mesmos os leitores mais experimentados notarão logo que foi escrito por um autor que não possui talento e treinamento para o grau de erudição alvejado. O texto exagera na variedade de sinônimos, ao ponto de tornar algumas passagens inteligíveis. O afã é tanto que o autor cria expressões e frases incompreensíveis, veja alguns exemplos: “euforia orgânica” (p. 16), “pelas fronteiras de alvenaria” (p. 16), “no propósito de retomar-se organicamente” (16), “findo abalo moral convulsionou-lhe os nervos” (17) e “e conversaram em suaves transbordamentos afetivos” (p. 17).  A morte de Evelina é narrada assim no último parágrafo do capítulo quatro: “Evelina, fatigada, cerrou os olhos do corpo físico, na suprema liberação, juntamente quando as estrelas desmaiavam na antemanhã, sobre-rondando alvorada nova” (19). Outra peculiaridade do livro é que foi ditado por um espírito desencarnado, André Luis, e o prefácio escrito por outro espírito desencarnado, Emmanuel, ou seja, os espíritos desencarnados conhecem os escritos um dos outros.
Evelina (Amanda Acosta) despertando no mundo espiritual
Os leitores acostumados a ler Baudelaire, James Joyce, Thomas Mann e outros escritores do mesmo quilate certamente sentirão náusea com a leitura de E a Vida Continua... Trata-se de um texto destinado para o público espírita ou para simpatizantes do assunto, que não são capazes de perceber a precariedade literária da obra. Enfim, se o roteirista, Paulo Figueiredo, não tivesse substituído os diálogos floreados do livro, certamente a bilheteria do filme teria sido pior do que a insignificância que já está sendo.
Agora, fazendo as contas, com base nas estatísticas, a população espírita do Brasil é de cerca de 2,5 milhões de adeptos. Bem, se o filme conseguir ser visto por pelo menos 250 mil espectadores, estes números representarão apenas 10% do séquito espírita, logo, isto significa que 90% não se interessou em assistir o filme. Pensando bem, se nem sequer os espíritas se interessaram pelo filme, imagine então a tortura que deve ser para um espectador, que não é espírita, assistir E a Vida continua... na íntegra.


Octavio da Cunha Botelho
28/09/2012




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